
HANNAH AFLALO
De que maneira você enxerga a importância das políticas de igualdade de gênero para a democracia?
Eu acredito que elas são primordiais e tem que vir acompanhadas de políticas de igualdade racial também, porque no Brasil a gente não pode falar apenas de desigualdade de gênero.
Eu entendo que uma sociedade democrática é uma sociedade em que os representantes que estão decidindo e fazendo leis devem ser um reflexo da população, ou seja, devem ser um espelho dessa população em termos de composição. É totalmente antidemocrático termos um país onde mais da metade da população é mulher, mais da metade é negra e que vemos pelo menos 90% de homens brancos.
O que fazer para aumentar o empoderamento feminino em órgãos representativos?
Essa é a luta. Eu acho que a gente tem que formar essas mulheres, precisa ter um incentivo. Não significa que essas mulheres não são capacitadas ou menos formadas que os homens, mas elas são menos acreditadas. A gente tem que votar em mulheres e elegê-las porque existe um efeito que é da representação simbólica: ver mulheres participando ativamente da pública e sendo competente, como nós sabemos que é possível, gera uma situação em que existe uma tendência a que se considere mulheres para serem eleitas.
A que você atribui a baixa representatividade feminina na política?
Existe uma questão social, uma divisão na sociedade entre o público x privado, na qual a mulher sempre foi contida no âmbito privado. Inclusive, isso influenciou muito a luta pelo direito do voto feminino e como isso poderia interferir na esfera privada. Existe também essa ideia de que a política não é o lugar da mulher e essa questão social gera uma questão institucional, ou seja, as instituições reproduzem essa exclusão.
As nossas instituições políticas são instituições machistas, que favorecem uma sociabilidade masculina. Então, muitas das decisões dentro dos partidos são tomadas ambientes em que as mulheres não estão, na hora da cerveja, por exemplo. As decisões não necessariamente são tomadas em ambientes formais e as mulheres ficam fora dessa sociabilização.
Vivemos em uma realidade que até pouco tempo atrás havia apenas banheiro masculino no Congresso, em que não se pensa creche... A política né um lugar não convidativo pra mulher.
O fato de existirem poucas mulheres na política gera uma ideia de que ali não é o lugar dela. Os estereótipos de gênero só reforçam a ideia de que a mulher é mais sensível e menos decidida – características que não são bem vistas na política. Querem pessoas decididas, assertivas, fortes e essa personalidade geralmente não é atribuída ao “ser mulher”.
As mulheres estão mais conscientes na hora de dar seu voto?
É complicado a gente afirmar, precisaria ter um estudo sobre isso. Eu tenho visto mais mulheres querendo voltar em mulheres, mas não consigo afirmar se vivemos nesse momento de maior consciência.
De que forma o fortalecimento do movimento feminista tem impacto na política?
O movimento feminista tem um alto impacto na política. É articulado e é quem exerce a pressão no governo para que as políticas sejam realizadas. Por exemplo, no município de São Paulo existe um plano municipal que determina as políticas para mulheres que devem ser realizadas pelo poder público, mas quem faz esse plano são as delegadas eleitas – que são a sociedade civil. Muitas delas, aliás, a maioria delas fazem parte de um movimento feminista. Elas têm que fiscalizar o poder público para verificar se políticas que foram votadas e decididas no plano municipal de políticas para as mulheres estão sendo cumpridas. O movimento feminista tem um papel de pautar a importância de que tipo de politica deve ser feita e de pressionar para que ela seja feita.
Como você enxerga a representatividade feminina no governo Temer? Há diferença em comparação ao governo Dilma?
Com certeza o governo Temer é um governo muito mais masculino em comparação ao governo Dilma. Entretanto, é complicado personalizar, porque podem existir mulheres que coloquem homens no governo. A questão não é ser homem ou mulher, ela é estrutural, que faz com que a sociedade pense que o homem é melhor para política.
Vamos supor, se Dilma tivesse mais homens no governo dela entraríamos na ideia da “mulher machista” e estamos todos nesse contexto. Somos todos educados dentro dessa ideia que coloca os estereótipos de gênero. Acredito que poderia muito bem ser um homem e colocar mais mulheres no poder. Isso não diria muita coisa
Como você enxerga o fato do Ministério de Políticas Públicas para as Mulheres ter virado uma Secretaria?
Isso é péssimo. Temos no âmbito federal, mas tem também no municipal – a secretaria que virou coordenação. A gente só perde com isso. As mulheres são mais da metade da população e era o mínimo necessário. Quando precisa ter corte de gastos é muito fácil cortar aquilo que é direcionado para as mulheres. Eu vejo isso como passos sendo dados para trás.
Em 2016 a primeira presidenta da história do país sofreu impeachment e foi ridicularizada por ser mulher. Uma prática que não é vista em governos chefiados por homens. Como você acredita que os brasileiros têm enxergado a mulher na liderança?
Não se espera uma mulher na liderança e muito menos se espera uma mulher presidenta. Incomoda porque é um espaço masculino sendo ocupado por uma mulher. Todo governante é criticado, a questão é justamente o que é ridicularizado quando quem está nessa posição é uma mulher.
Aquele episódio infeliz do adesivo na bomba de gasolina apela para misoginia. As críticas que começam a ser feitas pra ela são atreladas a estereótipos de gênero, então ela foi chamada de louca, exagerada e grossa. Talvez essas mesmas características, ou forma de agir que ela estava seguindo, fosse vistas num homem como assertividade, força, decisão. Isso faz muita diferença.
O que fazer para melhorar este cenário?
Educação. A gente tem que educar as crianças desde pequenas para entender que o lugar da mulher é onde ela quiser, para desconstruir estereótipos de gênero e educar as mulheres também para mostrar que elas podem sim ocupar espaços políticos. Eu sou a favor de todo tipo de formação que fortaleça candidatas de todos os partidos porque eu acho que a gente precisa ter mais mulheres na política.
Qual você acha que é a maior peculiaridade do Brasil em relação ao tratamento das mulheres?
A gente tem em um alto nível de violência, não só não só física, mas como psicológica e institucional. No âmbito da política a gente está no lugar 157 no ranking mundial. É uma peculiaridade no pior sentido possível. O Brasil trata muito mal suas mulheres.
De que forma você acha que isso interfere na política nacional?
EO tratamento com as mulheres é relegado no segundo plano. A própria violência contra a mulher, que é altíssima, não é colocada como prioridade para ser erradicada. Isso faz com que a gente só perpetue a lógica de ter menos mulheres nos espaços de decisão, menos mulheres e sentindo capazes de ocupar lugares... E gera uma grande insegurança.